INFLAÇÃO DE 5% É POSSÍVEL NO BRASIL?
A
política de aceitar inflação maior tem custo alto no longo prazo;
pensei que já tivéssemos aprendido a lição
O
ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,
Fernando Pimentel, afirmou que o Brasil apresenta uma "inflação
de base entre 5% e 6%. Ela não supera isso, mas também dificilmente
fica abaixo disso".
O
ministro afirma que a redução da inflação de base para valores
abaixo da faixa entre 5% e 6% dependerá da recuperação da
competitividade da economia.
Sugere
em seguida que, "com as medidas de combate aos gargalos
logísticos, que vão reduzir os custos e elevar a produtividade das
empresas brasileiras", será possível alcançarmos valores mais
baixos da inflação.
A
fala do ministro defende ponto de vista de que a inflação não é
essencialmente um fenômeno monetário. Isto é, dado que temos
problemas na oferta de infraestrutura, teremos que conviver com
inflação mais elevada.
Pergunta:
todos os países do mundo com baixa oferta de infraestrutura convivem
com inflação mais elevada? Certamente não! A baixa oferta de
infraestrutura produz, se o sistema de preços do país funcionar
direito, tarifas elevadas. Se o sistema de preços não funcionar
direito, produzirá filas.
O
fato de nossa infraestrutura ser ruim já nos causa muitos
desconfortos. Não imaginava que teria que causar o desconforto
adicional de termos de conviver com inflação maior.
Nas
últimas semanas, vários comentaristas e colunistas têm defendido
pontos de vista análogos ao do ministro. Por exemplo, argumenta-se
que o fato de os funcioná- rios públicos terem poder de barganha
excessivo e, portanto, salário acima da produtividade explicaria em
parte os elevados níveis de inflação do Brasil.
Outros
argumentam que o fato de diversos setores da economia
--principalmente os de bens intermediários, como siderurgia e
cimento-- serem muito concentrados e, portanto, apresentarem
baixíssima competição seria outro fator que explicaria a inflação
de fundo mais elevada.
Provavelmente
todos os fatos arrolados são verdadeiros. Temos forte carência na
oferta de serviços de utilidade pública, provavelmente os
servidores públicos são remunerados acima da produtividade e há de
fato diversos setores de bens intermediários com margens excessivas.
Como
no caso da infraestrutura, esses fatos sugerem que o preço relativo
dos serviços de utilidade pública, dos serviços dos funcionários
públicos e dos bens intermediários serão elevados em comparação
aos demais preços.
Ou
seja, esses grupos da sociedade conseguirão abocanhar rendas maiores
do que a sua contribuição para a produção.
Abocanhar
renda superior à sua contribuição à produção representa
distorção microeconômica e pode acarretar perda de eficiência e,
consequentemente, redução do potencial de crescimento.
A
redução do crescimento se transforma em maior inflação quando a
política monetária se torna leniente e delega à aceleração
inflacionária a gestão do conflito distributivo.
Não
há nada que obrigue que a solução do conflito distributivo seja
por meio de aceleração da inflação.
Se
for verdade que as carências de infraestrutura do país causam
inflação na casa de 5% a 6% ao ano, logo as pessoas incorporação
esse inflação futura nas suas expectativas e os aumentos de salário
no mercado de trabalho serão superiores a esse valor. Entramos na
terrí- vel espiral preços-salários de triste memória.
Certamente
o ministro sabe que a espiral preços-salários opera e, portanto,
que não é possível trocar permanentemente maior inflação por
maior crescimento.
O
que o ministro afirma é que existe a decisão política de aceitar
temporariamente inflação maior até que os investimentos em
infraestrutura maturem.
Trata-se
de política com algum retorno no curto prazo com custos elevados no
longo prazo. Pensei que já tivéssemos aprendido essa lição.
SAMUEL
PESSÔA é doutor em economia e pesquisador associado do
Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta
coluna.